O ano era 1996. Reveillon. Voltávamos da praia, onde tinhamos ido assistir a queima de fogos, coisa que hoje admito detestar. Estava com minha primeira esposa, Silmara, quando vejo um corpo estirado embaixo de um carro. Me aproximo e percebo uma gatinha preta e branca desmaiada. Estavamos recém formados na faculdade de veterinária e ainda com espírito samaritano.
Examinamos e vimos que ela agonizava. Magra, muito magra, talvez tivesse desmaiado de fome. Recolhemos na intenção de ajudar, mas não tinhamos medicamentos e naquele horário não conhecíamos nenhuma clínica veterinária aberta. Por fim, entramos em um pronto socorro humano e convencemos uma enfermeira que provavelmente gostava de animais a nos conseguir alguns frascos de soro, seringas e vitaminas.
Levamos a gatinha preta e branca para casa, coloquei o soro na veia dela e aplicamos os medicamentos que havíamos conseguido. No dia seguinte, ela já levantava a cabeça e aceitava comida de uma foma desesperada. Parecia mesmo que não comia há dias e por isso desmaiou.
Ficamos uma semana na praia, a gatinha se recuperou e voltamos com ela para São Paulo, onde ela foi morar na minha primeira clínica e ganhou o nome de Fifi.
Dai em diante muita coisa aconteceu na minha vida e a gata foi testemunha. Tive um filho. A minha primeira clínica fechou por falta de clientes. Descasei e a gatinha preta e branca ficou comigo na separação de bens. Abri uma empresa. Ganhei dinheiro e perdi dinheiro e a gatinha lá. Fiz amigos e perdi amigos. Casei novamente. Tive outro filho. Abri outra clínica e lá estava ela, recebendo os clientes na porta. E desta vez eram muitos clientes e assim passamos muitos e muitos anos juntos. De magrinha, após castrada, ficou forte e bonita. No tempo em que morou na clínica, sempre que eu estava tranquilo no consultório, ela vinha e se ajeitava no meu colo. No tempo em que morou em casa, dormia na cama, conosco.
*****
Agora o ano é 2010. Eu bem mais velho e ela também. Gislaine, minha esposa me liga chorando, dizendo que a Fifi não esta bem. Paciente de insuficiencia renal crônica, mal de quase todos os gatos velhos, vinha emagrecendo muito nos últimos meses. Estava fraca e com dificuldades de engolir. Mal passava de um quilo de peso.
Chego em casa e vejo a gatinha preta e branca desmaiada. Corro com ela para a clínica. Coloco um cateter na veia dela e ligo no soro. Peço a todos os funcionários que me deixem sozinhos com ela. Ela puxa o ar com a boca aberta. Eu já vi este filme muitas vezes e sei como acaba. Ficamos juntos ali cerca de um hora e neste tempo passou em minha mente novamente tudo o que aconteceu na minha vida nestes últimos dezesseis anos, desde que me formei e na mesma época encontrei-a debaixo do carro. Tudo mudou. As pessoas com quem convivo, os diversos locais onde morei e trabalhei, minhas dificuldades e conquistas, e de constante, a presença dela e de outros dois companheiros animais, o Xuxo e a Pituxa. Tudo mudou várias vezes e eles permaneceram. Constantes, companheiros, carinhosos, fieis e querendo apenas companhia e comida.
Volto a atenção para a gata magrinha, agonizando na minha frente. Oro a Deus agradecendo a companhia dela por todos estes anos. Preparo uma injeção, mas desta vez não é uma vitamina. Chorando me despeço da gatinha preta e branca que me acompanhou por tanto tempo e torço, para que se realmente existir vida após a morte, que nossos caminhos possam se juntar novamente um dia.
Por Wilson Grassi http://www.wilsonveterinario.com.br/index.php?/Artigos-do-Wilson/adeus-a-uma-grande-amiga.html
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